O Halloween nunca me seduziu. Sou das poucas pessoas que não passou parte da adolescência a ver filmes de terror, e a vibrar com a adrenalina do medo. Sou do clube da paz, tranquilidade e alegria. Vá, confesso que vi o "Entrevista com o Vampiro", mas aí valores mais
Brad elevados
Pitt se impunham, se é que me faço entender. Mas terá sido o mais longe que fui na senda do sombrio.
Não muito tempo depois de termos chegado aos EUA, as montras cobriram-se de, ora abóboras sinistras, ora caveiras sangrentas. Sabia que dificilmente me seduziriam, e a minha veia mais consumista estaria perfeitamente protegida. Era esperar que passasse.
Entretanto a minha rua começou, gradualmente, a iluminar-se à noite. As decorações tão criativas, algumas interactivas começaram a despertar-me alguma curiosidade. Penso mesmo que, até mais do que os artefactos em si, era ver o brio e empenho que a comunidade incutia no décor de cada casa, loja e rua. Depois, começaram a chegar os trabalhos escolares relacionados com a temática, os convites para actividades familiares e, naturalmente, não me interessaria privar as crianças destes momentos de interação social. Sou muito devota ao meu país, mas também sou defensora de que, em país (ou mesmo casa) alheio, devemos ter a educação de respeitar as suas tradições e, dentro do possível, esforçarmos-nos por nos integrar nas mesmas (assim não vão estas contra os nossos principios).
O mês de Outubro estava prestes a terminar, e já eu tinha dois fantasmas à entrada de casa. T-.shirts decoradas. Bolachas no forno, sob a forma de esqueletos.
Halloween -1, Mãe - 0. Certo.
No dia 31, toda a comunidade se preparava para a grande noite. As crianças chegaram da escola e saltaram lanche, desenhos animados e bolas, para se comporem para a efeméride. Cada um com o seu disfarce preferido, afinal nem só de bruxas e zombies conta a história do Halloween americano, é uma festa de máscaras, e todas são bem-vindas. Os baldes de
Treats preparados para adoçar os sustos que nos batessem à porta. As piadas decoradas para quem lhes pedisse um
Trick. As luzes da entrada ligaram-se, código de consentimento em como estaríamos disponíveis para a festa.
Às 18h30, saímos para a rua. O bairro enchia-se de crianças que batiam às portas, enquanto os pais, sem enterferir na sua missão de colecionar doces, as vigiavam, uns metros atrás. Os vizinhos vinham para os jardins, acendiam fogueiras para acolher as crianças com mais luz e calor. E assim começava, no bairro, um desfile de máscaras, luzes, música mas, sobretudo, de convívio. Os mais idosos (muitas vezes já a morar sozinhos), eram os que mais empenho demonstravam na recepção, como que se esperassem há muito, na sua solidão, por este momento de alegria e partilha com a frescura infantil, talvez já esquecida. Faziam perguntas, elogiavam as máscaras, mostravam a bonecada interactiva, numa tentativa de fazer perdurar aquele momento de convívio, e finalizavam com a retribuição em doces, canetas e autocolantes. Despediam-se, com olhos abrilhantados por uma denunciada saudade do passado.

O passeio pelo nosso bairro continuava e o "Trick or Treat" dava lugar às apresentações e às boas-vindas ao bairro. Ao mesmo tempo que as crianças queriam andar pela rua a explorar a animação de cada casa, também ansiavam por voltar à sua, e experimentar o lado de dentro da porta, o de receber a visita e retribuir com o melhor que conseguiram colocar em cada saco, que prepararam para a ocasião.
Por volta das 22h, as luzes das entradas de casa apagaram-se e a música parou. As pinturas faciais eram limpas, e os disfarces davam lugar aos pijamas. Na mesa de cabeçeira, um cesto-abóbora repleto de doçuras e brindes, de uma noite de diversão, há cerca de um mês a ser celebrada. Uma espécie de Natal anunciado.
As abóboras recortadas vão então servir de alimento aos animais, os fantasmas voltaram a dormir na garagem. As luzes vão agora dar lugar a outras. O sentimento de consumismo despropositado, de celebrações tontas sem propósito ou tradição, foi aqui arrumado e deu lugar ao carinho por uma festa que celebra, sobretudo, o convívio comunitário e onde, cada um, dá o seu melhor para adoçar o próximo.
Aprendi, uma vez mais, que não devemos julgar o que desconhecemos. Podemos não apreciar, mas nunca devemos julgar, sem experimentar. Basta, muitas vezes, mudar o cenário das nossas vidas, para que o enredo faça sentido.
Posso, agora em jeito de uma nova verdade para mim, dizer que foi uma doçura de Halloween.